Saudades da Catacumba
Atílio Alencar
Produtor culturalstyle="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">
Tempos difíceis são um bom pretexto para ativar a memória de épocas mais benévolas. Fazemos isso também, creio, para organizar a vida numa narrativa legível. Rememorar pessoas, experiências e lugares que conhecemos nos ajuda a implantar uma vértebra no tempo, esse bicho fugaz. Deve ser por isso que meu pensamento andou me levando para passear na Catacumba, um antro célebre e já desaparecido da cartografia noturna de Santa Maria.
Espaço subterrâneo e marginal à boate do DCE, a Catacumba era mais do que um apêndice: era a afirmação de um estilo de vida, uma opção política tanto quanto estética, e gostávamos de pensar que ela significava uma ruptura com a ideia asséptica de "cidade cultura", que julgávamos esnobe. Aos 20 e poucos anos, era assim que muitos universitários viam as coisas no fim do século.
A Catacumba era o lugar da embriaguez militante, acompanhada dos devaneios e discussões acaloradas que flutuavam na densa fumaça dos cigarros baratos. Diferentemente da boate, onde o previsível percurso entre o bar lotado, os cortejos da pista e os banheiros nauseabundos deixava tudo com cara de jogo marcado, o andar de baixo tinha outra dinâmica, já que se estendia até o pátio sombrio que servia para nos abrigar da música brutal em momentos de trégua.
Muita gente conheceu a fascinação pela noite naquelas escadarias laterais do porão, ali em frente ao Quarto Menos Um da Casa do Estudante - espécie de cubículo siberiano para onde eram enviados os indesejáveis do condomínio. E muito dejeto foi jogado pelos moradores mais conservadores da CEU, indignados com o barulho e o conteúdo das conversas subasfálticas.
LEMBRANÇAS
O convívio com a variedade de tipos era elemento constitutivo das noites por lá. Punks, manos, hippies, poetas e universitários jubilados compunham a fauna incorrigível daquele antro.
Lembro, com vaga clareza, do final de algumas noites épicas, com o dia amanhecendo na Rua Professor Braga. A balbúrdia difusa dos amores frustrados, da sede insaciável, daquele desejo inquieto protestando contra os primeiros raios de sol - tudo isso compõe um inventário afetivo das experiências vividas no poço úmido da Catacumba.
Era um outro tempo, de prazeres possíveis e perigos desconhecidos que, vistos de longe, parecem pertencer a um mundo perdido para sempre.
Conhecendo lendas vivas
Fabiano Dallmeyer
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Aquele senhor de cabelos brancos e compridos, com uma colinha, usando chapéu e luvas, chamou a minha atenção ao embarcar. Sentou a poucas poltronas de mim. Durante o voo, perguntei algumas coisas em alemão para o nosso atendente. Após umas boas risadas, aquele senhor levantou, e me apontando o dedo indicar, diz em inglês: "Eu gosto de gente assim! Gosto de gente com atitude. Gosto de pessoas que comunicam". Então, se aproximou, e fez algumas perguntas triviais, como de onde eu era, e onde estava indo. Ao me perguntar o que eu fazia, diante da resposta "sou fotógrafo", abriu um sorriso enorme e batendo as mãos nas pernas disse em alto e bom tom, "eu sabia!". Então, disse que também era fotógrafo. Prazer, Otto disse ele.
SUÍÇO COM SOTAQUE BRASILEIRO
Otto R. Weisser tem 84 anos. Cresceu em Zollikon. Começou a fotografar ainda jovem. Depois de concluir a École Supérieure de Commerce (Faculdade de Comércio) em Lausanne e de continuar o treinamento como assistente de publicidade, trabalhou em Londres como executivo de contas na agência de publicidade Ajax New Business. Após o serviço militar na Suíça com treinamento adicional como oficial, foi nomeado por seu antigo empregador em Londres para Nova York como assistente na produção de filmes. Depois de ser diretor administrativo interino de uma empresa de filmes publicitários em Londres, tornou-se diretor de produções de TV internacionais na Intertel em 1970. Em Munique na Alemanha, conheceu a futura esposa Slivka, que, mais tarde, se tornou a Miss Suíça.
Começou a trabalhar como fotógrafo profissional na década de 1970. Um de seus professores foi Gianni Vescovi, fotógrafo de Fórmula 1 da Suíça italiana. Recebeu a encomenda do calendário Marlboro "Cars & Girls", que o trouxe ao glamour e, em 1973, à fotografia erótica. Outro de seus professores foi David Hamilton. Otto Weisser desenvolveu seu estilo característico que o tornou um fotógrafo de nus mundialmente famoso. Suas fotos viraram capas da Lui, Penthouse e Playboy. Suas obras também se tornaram em exposições de arte.
Ele mora e trabalha no Brasil desde 1992. Em 2003, casou-se com a brasileira Daniela de Souza, nascida em 1987. Desde 2004, ele tem se concentrado em fotografia de arte digital, produz e filma videoclipes para a TV de moda, bem como clipes musicais e reportagens sobre estilo de vida.
Otto ficou muito feliz quando perguntei se ele tinha algum portfólio para me mostrar. Como bom fotógrafo "raiz", puxou da mala muito material impresso. Como é bom tocar nas fotos, ver no papel uma obra impressa e não apenas em formato digital. No portfólio que me mostrou, estavam algumas das mais de 600 capas de revistas que emplacou, bem como retratos de outras mulheres, "essa aqui é mulher do Piquet", se referindo à esposa de Nelson Piquet, ex-piloto da F1. Antes de nos despedirmos, me perguntou se eu tinha WhatsApp. Trocamos cartões e contatos. Afinal, nem tudo precisa ser impresso...